Por Dra. Katia Regina Nascimento Beraldi
Atualmente, no Brasil, as Instituições do Terceiro Setor, também conhecidas como Organizações da Sociedade Civil (OSC), realizam atividades de extrema relevância para o cenário nacional, possuindo aproximadamente 781.895 instituições, sendo a maior concentração na Região Sudeste do País.
Com o decorrer dos anos, passou-se a exigir destas Instituições que as suas gestões se tornassem mais transparentes e profissionalizantes, contudo, a escassez de profissionais voluntários para atuarem como dirigentes destas instituições se tornou um ponto de extremos questionamentos, já que torna é praticamente insustentável que um dirigente disponibilize seu tempo integral para a Instituição sem ao menos receber a contraprestação, pois afetaria sua vida financeira pessoal.
Importante salientar que apesar do extenso debate sobre a legalidade da remuneração de dirigentes nas OSC´s, no tocante à legislação federal, em linhas gerais, não havia vedação expressa. Contudo, as Entidades que pretendiam realizar tal prática recorriam à lei de OSCIP 9.790/1999 com o objetivo de regulamentar a referida remuneração.
No que tange à remuneração de dirigente e a manutenção da isenção das contribuições, o legislador em 2015 promulgou a Lei 13.151, que alterou o artigo 29 da antiga Lei 12.101/2005, permitindo, desta forma, expressamente em seu inciso “I”, a remuneração dos Dirigentes das Entidades beneficiadas com a certificação CEBAS, desde que estes atuem efetivamente na gestão executiva da Instituição.
Atualmente, esta previsão foi cuidadosamente tratada pelo legislador na Lei Complementar 187/2021.
Muito embora a Lei Complementar permita que as Associações Assistenciais e as Fundações Privadas possam remunerar seus dirigentes, deve-se realizar tal remuneração de acordo com os valores praticados pelo mercado na região de atuação.
O valor da remuneração deve ser uma decisão tomada pelo órgão de deliberação superior da OSC, ou seja, a Assembleia Geral, o Conselho de Administração ou o Conselho Curador, a depender da estrutura interna prevista no Estatuto Social da Instituição. Cumpre ainda ressaltar que as Fundações Privadas que desejarem realizar a remuneração de seus dirigentes, possuem mais um requisito sendo necessário apresentar essa hipótese, formalmente, para o Conselho Curador do Ministério Público para análise e aprovação.
O legislador, mesmo permitindo que haja remuneração, apresentou os requisitos a serem observados a fim de evitar gastos exacerbados nas entidades, sendo eles:
- A remuneração do dirigente estatutário não poderá ser superior 70% (setenta porcento) do valor bruto estabelecido como limite para a remuneração de servidores do Poder Executivo Federal;
- Nenhum dirigente remunerado poderá ser cônjuge ou parente até o terceiro grau, inclusive afim, de instituidores, de associados, de dirigentes, de conselheiros, de benfeitores ou equivalentes da entidade de que trata o caput do artigo 3º da Lei 187/2021;
- O total pago a título de remuneração para dirigentes pelo exercício das atribuições estatutárias deverá ser inferior a 5 (cinco) vezes o valor correspondente ao limite individual estabelecido para a remuneração dos servidores do Poder Executivo federal;
- 2º O valor das remunerações, de que trata o § 1º do art.3º da Lei 187/2021, deverá respeitar como limite máximo os valores praticados pelo mercado na região correspondente à sua área de atuação e deverá ser fixado pelo órgão de deliberação superior da entidade, registrado em ata, com comunicação ao Ministério Público, no caso das fundações.
Conclui-se que as alterações legislativas, promovidas nos últimos anos, apresentaram garantias de que todas as associações e fundações privadas possam remunerar seus dirigentes, ou seja, os agentes responsáveis pela gestão executiva da instituição, sem trazer qualquer prejuízo para o exercício dos direitos constitucionais à imunidade tributária, à isenção ou a qualquer título, qualificação ou certificação que ela possa vir a usufruir.
Todas estas alterações foram de extrema importância, pois através delas foi possível garantir mais segurança jurídica para as organizações de interesses sociais no tocante à remuneração dos seus dirigentes executivos.
A Lei 13.019/14 apresenta outro questionamento bastante comum por parte das entidades no que diz respeito à remuneração dos dirigentes nas parcerias disciplinadas pelo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), que passou a permitir expressamente o pagamento da equipe da OSC envolvida na execução do projeto ou da atividade.
É de extrema relevância frisar que os recursos públicos repassados nessas parcerias devem ser integralmente aplicados nas metas previstas e aprovadas no plano de trabalho, visando à consecução do objeto pactuado entre a administração pública e as OSC’s, e não na sustentação financeira das entidades, e muito menos na remuneração dos cargos diretivos dessas instituições.
No entanto, se um dirigente compõe a equipe incumbida de realizar as ações previstas na parceria, e exerce, por exemplo, atividades de coordenador, de médico, de pesquisador etc., poderá ser remunerado nas mesmas condições e valores previstos para os outros profissionais que realizem o mesmo trabalho, ou seja, a remuneração na parceria ocorrerá em virtude do serviço realizado pelo profissional, e não pelo simples fato de essa mesma pessoa ser um dirigente da entidade.
Em suma o dirigente poderá, ao mesmo tempo, ser remunerado pelo cargo de gestão que ocupa e exerce de forma efetiva (pagos com recursos próprios da entidade), e receber pagamentos pelas atividades profissionais exercidas na execução das parcerias (custeados com recursos públicos, desde que previstos no plano de trabalho), devendo ser observado se há choque ou incompatibilidade com a carga horária de trabalho, para que seja aplicada a proporcionalidade na remuneração.
Finalmente, antes que seja prevista essa situação no Estatuto Social da Entidade, é necessário se atentar às legislações e normas locais com as quais mantêm relação jurídica, se há previsões de vedação de remuneração que possa vir a causar impedimentos para eventuais parcerias a serem firmadas, especialmente no tocante a inscrições em Conselhos, ou até mesmo, a perda da imunidade de tributos estaduais e/ou municipais (ISS, ITBI, IPTU, IPVA, ITCMD e ICMS do contribuinte de direito).
Tais alterações legislativas, que ocorreram no decorrer dos anos, foram de grande importância para o desenvolvimento e manutenção do Terceiro Setor, que necessita cada vez mais de profissionais capacitados no mercado para que, com suas habilidades, possam implementar gestões profissionais e efetivamente transparentes para toda a Sociedade Civil e aos seus gestores públicos nos termos de colaboração firmados para o desenvolvimento social nacional.
Em que pese essas alterações gerarem benesses legais para boa parcela da sociedade, sabe-se que muitas OSC’s permanecem contando com seus dirigentes para atuarem voluntariamente, haja vista a escassez de recursos que muitos enfrentam e pelo desconhecimento desta possibilidade de contar com gestores profissionais para gerirem suas entidades.
Ainda que se saiba que um pequeno percentual de OSC’s venha a buscar a aplicação dessa benesse legal e, com isso, praticar a remuneração dos seus dirigentes, sabe-se que muitas ainda continuarão contando com a atuação imprescindível do voluntariado.
Sobre a autora:
Dra. Katia Regina Nascimento Beraldi é advogada e atua no Núcleo do Terceiro Setor do NWADV. É graduada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas e pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela na Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Coordenadora-voluntária na Instituição Sonhar Acordado Campinas.