31 de Janeiro | 2024 - Por Pedro Lima

Checks and Balances aos Limites das Compensações Fiscais Federais

 
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Enquanto as Medidas Provisórias tratarem de matérias reservadas às leis e prolongarem a sua provisoriedade, de modo a atingirem a estabilidade e a duração que seria própria das leis, prestigiaremos a exceção em prejuízo à regra, pois, ainda que óbvio, a “Medida Provisória” deixa de ser provisória e acaba adquirindo a roupagem e o poder de Lei.

À medida em que a exceção vira a regra, entre Poder Executivo, Legislativo, Judiciário e Sociedade, nossas leis perdem respeito e legitimidade. Quando não há lógica na estrutura legislativa, nossas regras perdem utilidade, pois deixarão de ser observadas e cumpridas.

Diante das distorções que podem comprometer a integridade do princípio constitucional da separação de poderes, o excesso cometido pelo Poder Executivo ao invadir o âmbito de competência do Poder Legislativo é, sim, uma preocupação de ordem jurídica grave e cada vez mais contemporânea.

No julgamento da ADI 2.213 no STF, o rel. min. Celso de Mello, já havia nos alertado a respeito da crescente apropriação institucional do poder de legislar. A utilização excessiva das medidas provisórias pode dar origem a distorções profundas entre os Poderes Executivo e Legislativo. Em suas palavras:

“Nada pode justificar a utilização abusiva de medidas provisórias, sob pena de o Executivo, quando ausentes razões constitucionais de urgência, necessidade e relevância material, investir-se, ilegitimamente, na mais relevante função institucional que pertence ao Congresso Nacional, vindo a converter-se, no âmbito da comunidade estatal, em instância hegemônica de poder, afetando, desse modo, com grave prejuízo para o regime das liberdades públicas e sérios reflexos sobre o sistema de checks and balances, a relação de equilíbrio que necessariamente deve existir entre os Poderes da República.”

Diversas razões justificam a competência exclusiva do Poder Legislativo na criação de leis, pois, sejam Leis Complementares ou Ordinárias, não cabe ao Poder Executivo, sem debate nenhum com a sociedade, representada pelos seus deputados e senadores no Poder Legislativo, criar regras que afetam diretamente o sistema tributário nacional, como é o caso do limite à compensação, previsto na MP 1.202/23.

Publicada nos últimos dias do ano passado (28/12/23), a M.P. alterou de forma significativa a Lei 9.430/96, que dispõe sobre a legislação tributária federal e regulamenta a compensação de débitos e créditos tributários, criando o novo art. 74-A, que estabeleceu limites mensais de valores para as compensações fiscais federais a serem realizadas com créditos originados em decisões judiciais transitadas em julgado. A Portaria M.F. n.º 14/24 já especificou a regras, valores e os limites mensais.

Sim, para uma alteração tributária tão significativa, questiona-se o equilíbrio, a justeza, a adequabilidade, a necessidade e urgência da medida provisória. A compensação fiscal federal é matéria que deveria ser provocada pelo Poder Legislativo, alterada somente por lei, por meio do envio de um projeto de lei que respeitasse o trâmite legislativo e participativo, que é de direito da Sociedade.

O próprio STF, desta vez sob relatoria da ministra Cármen Lúcia, com fundamento no inc. III do § 1° do art. 62 da Constituição Federal da República – CF/88, decidiu que é vedado ao Poder Executivo editar medida provisória que disponha sobre matéria reservada a lei complementar (ADI 7.232-MC-Ref, rel. min. Cármen Lúcia, j. 10-11-2022, P, DJE de 10-1-2023).

Vejam que, conforme registrado na Exposição de Motivos da MP em discussão, o único motivo apresentado seria a manutenção da arrecadação federal, como se compensação não fosse adimplemento de tributo:

“45. Para resguardar a arrecadação federal ante a possibilidade de utilização de créditos bilionários para a compensação de tributos, propõe-se alteração do art. 74 da Lei nº 9.430, de 1996, e inclusão do art. 74-A, para que seja implementado um limite mensal à compensação de débitos utilizando créditos oriundos de ações judiciais, fracionando sua utilização no tempo.”

https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9537778&ts=1703945298433&disposition=inline

Até que ponto o direito à compensação pode ser limitado e diminuído unicamente com base na necessidade de arrecadação federal e montagem de um abstrato orçamento público federal?

Parece haver um vício de origem da MP 1.202/23, que limitou o direito à compensação fiscal federal, pois, além da razão arrecadatória financeira, não há nenhum fundamento cívico, nenhum interesse público da nação que justifique tal medida e, nem mesmo o motivo arrecadatório financeiro é capaz de legitimá-la.

O direito à compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados pela Receita Federal do Brasil – RFB, é, desde sua origem, um direito amplo, garantido àqueles que possuem um crédito fiscal, seja de origem administrativa fiscal, escritural ou de decisão judicial transitada em julgado.

Fica evidente a inconveniência e a não observação ao princípio da isonomia tributária, pois, além daquele motivo arrecadatório federal orçamentário, não há razão que justifique o tratamento e a aplicação diferenciada do instituto da compensação entre os créditos que possuem origem judicial, administrativa fiscal ou escritural.

Ao limitar a quantidade da compensação, o Poder Executivo, se apoderando dos Poderes do Legislativo e sem debate com a sociedade, dá tratamento diferente e prejudicial àquelas empresas que possuem créditos reconhecidos em decisão judicial transitada em julgado, enquanto aquelas que possuem créditos de outra origem não terão limite nenhum.

É legítimo e válido o desequilíbrio criado pelo Poder Executivo ao adentrar nas competências do Poder Legislativo? É legítimo e válido o desprestígio e descumprimento do princípio constitucional da isonomia tributária com base em uma justificativa de compor orçamento federal com a arrecadação fiscal?

Vejam, nem o crédito e nem o direito à compensação é, sequer, da União para dispor ou para limitar, pois quem é o detentor do crédito é o contribuinte e os tributos vincendos podem ser adimplidos de todas as formas legais previstas no Art. 156 do Código Tributário Nacional – CTN, seja por pagamento direto ou por compensação.

No aftermath e, para todos os efeitos legais e principiológicos constitucionais, os contribuintes poderão adimplir e extinguir seus tributos vincendos, seja com compensação ou com pagamento, situação que impossibilita qualquer iniciativa fiscal ou arrecadatória do Poder Executivo, pois não há, sequer, nenhuma ocorrência de lesão ao erário público.

Nunca a teoria dos Checks and Balances (Séparation des pouvoirs ou freios e contrapesos), de Charles-Louis de Secondat, Baron de La Brède et de Montesquieu, revelada em sua obra “O Espírito das Leis”, pareceu tão necessária, relevante e contemporânea aqui em nosso país, uma terra de extensão continental cada vez mais federalizada e controlada pela União, consubstanciada no Poder Executivo Federal. Talvez o Poder Judiciário tenha de contrabalancear as influências do Poder Executivo na regulação de nosso sistema tributário federal para que a sociedade, por meio de sua participação no Poder Legislativo, tenha papel fundamental na formulação de leis.

Por

  1. Pedro Rinaldi de Oliveira Lima
  2. Sócio(a)

  3. São Paulo/SP
  • Assessoria de imprensa:
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