28 de Março | 2023 - Por Dr. Fernando Mota Novais

Novo artigo publicado sobre taxa de ocupação nos contratos de financiamento imobiliário

 
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Diálogo das fontes e a taxa de ocupação nos contratos de financiamento imobiliário garantidos por alienação fiduciária. A nova posição do STJ.

Apesar dos desafios enfrentados pela pandemia causada pela Covid-19, o mercado imobiliário se manteve aquecido, sendo que 2022 foi um ano deveras positivo para o setor. O volume de transações imobiliárias seguiu em uma ascendente, e, segundo levantamentos da Secovi-SP, em 12 meses (no período de fevereiro de 2022 a janeiro de 2023), foram vendidos 70.193 imóveis, sendo que o “VGV (Valor Global de Vendas) totalizou R$ 1,987 bilhão no mês e R$ 34,337 bilhões no acumulado de 12 meses”

Colateralmente, o nível de inadimplência no país bateu recorde no mesmo período, de maneira que, paralelamente ao aumento no volume de financiamentos imobiliários, cresceu também a massa de financiamentos descumpridos.

O cenário político e econômico no momento ainda é de incertezas, haja vista o início de um novo governo, a guerra na Europa e a recessão mundial, e, com isso, as instituições financeiras fornecedoras de crédito imobiliário buscam cada vez a adoção de mecanismos para a garantia do retorno do capital financiado e a diminuição do risco de crédito, preferencialmente com a incorporação definitiva dos bens imóveis financiados a seu patrimônio ou com a disponibilidade dos mesmos para pronta disposição.

Os imóveis têm um índice de desvalorização a longo prazo reduzido, e sua pronta incorporação ao acervo patrimonial da entidade financiadora, sem que haja necessidade de passar-se por um moroso processo judicial, se torna atrativo.

Caminhando nesta seara, agora já do ponto de vista jurídico, em linhas gerais, e relativamente às modalidades de garantia imobiliária, as entidades financiadoras poderão se valer de: a) hipoteca; b) cessão fiduciária de direitos creditórios decorrentes de contratos de alienação de imóveis; c) caução de direitos creditórios ou aquisitivos decorrentes de contratos de venda ou promessa de venda de imóveis, e; d) alienação fiduciária. Ocorre que as três primeiras modalidades de garantia, para que sejam efetivadas, ensejam a movimentação de processo judicial para seu acionamento, o que é custoso e demorado.

Neste cenário, a alienação fiduciária se mostra um dos instrumentos mais eficazes à garantia e segurança das operações, bem como um meio célere de se dar fluidez a eventual recomposição de prejuízos com a transação inadimplida.

A alienação fiduciária é uma espécie de garantia real (que tem por objeto o próprio bem envolvido), instituída pela lei n.º 9.514/97, que é constituída por meio de instrumento particular (contrato) ou escritura pública devidamente registrada junto ao cartório de registro de imóveis ao qual o imóvel está vinculado e lançado em sua matrícula. Por meio dela se transmite o direito de propriedade (resolúvel) sobre o imóvel em questão durante o período de custeio do financiamento, e não o imóvel em si, permanecendo com o mutuário (tomador do empréstimo, e tecnicamente chamado de devedor fiduciante) a posse direta sobre o bem, e com o ente financiador (credor fiduciário) a posse indireta.

As vantagens da alienação fiduciária como forma de garantia residem no fato da lei prever um procedimento extrajudicial simplificado para a retomada do bem, que dispensa o ingresso de ação judicial para tanto: caso o pagamento do financiamento não ocorra, bastará ao credor intimar o devedor, via cartório de registro de imóveis, a pagar o valor em aberto, acrescido dos encargos contratuais estabelecidos, no prazo de 15 dias, sendo que, findo o prazo sem pagamento, o oficial do cartório de registro de imóveis averbará na matrícula do imóvel a consolidação da propriedade do bem financiado em favor do credor fiduciário, que deverá promover em seguida leilão público para vender o imóvel, recompondo, assim, o capital emprestado.

Entretanto, durante o procedimento de retomada do imóvel e posterior realização do leilão, não raro o devedor permanece residindo no bem sem pagar nenhum valor ao credor, se recusando a sair e por vezes depreciando o imóvel, potencializando os prejuízos do credor fiduciário. A posse, que, antes da consolidação da propriedade, era legítima, se torna injusta e precária, pois a presença do devedor fiduciante no imóvel não é mais consentida.

Por tais motivos foi acrescentado à lei n.º 9.514/97 dispositivo que prevê indenização ao credor (art. 37-A), chamado de taxa de ocupação, que deve corresponder a 1% do valor atualizado do imóvel por mês de permanência ou fração, e que será exigível desde a data da consolidação da propriedade até a imissão na posse do imóvel (momento no qual o credor consegue efetivamente ingressar no imóvel e recebê-lo livre de pessoas em seu interior).

Para fins meramente didáticos e compreensão do leitor, a taxa de ocupação, neste contexto, apesar de parecer um “aluguel” pago ao credor (instituição financiadora), tem função mais profunda: indenizar o credor pela indisponibilidade de fruição do bem (uso e gozo).

Apesar da clara dicção do texto legal, o judiciário, através do julgamento de diversos juízes, vinha afastando a aplicação plena da taxa de ocupação, alegando que a praxe do mercado relativamente a aluguéis (aplicado em analogia) seria o pagamento de até 0,5% do valor do imóvel.

Essa corrente de pensamento apontava que o percentual de 0,5%, já praticado no mercado, era suficiente para afastar eventuais prejuízos ao credor, e afastava equitativamente sua aplicação, fazendo incidir, nos casos até então julgados, as normas protetivas ao consumidor previstas no Código de Defesa do Consumidor (interpretação mais favorável ao consumidor, afastamento de cláusulas abusivas, etc.), bem como o artigo 402, do Código Civil, que trata sobre perdas e danos, o que gerou insatisfação entre as instituições financiadoras, fazendo com que o tema chegasse às instâncias superiores, em especial o Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Aplicava-se, então, o que juridicamente chamamos de diálogo das fontes, teoria desenvolvida inicialmente por Erik Jayme na Alemanha, a qual preconiza que o direito é um todo, e que as normas jurídicas não se excluem, mas se complementam, e, portanto, estas normas (fontes) devem conversar entre si (diálogo) para a obtenção de uma solução jurídica apropriada.

Tal teoria tem um apelo claramente romântico e sedutor, porém, em sede do STJ e para o caso aqui debatido, tal argumentação não foi acolhida.

Hoje em dia, diz-se que a norma é resultado do texto legal, estabelecido pelo legislador, e da avaliação do intérprete, não se confundindo, assim, com aquele (texto). O intérprete extrai a norma do texto ao interpretá-lo.

De acordo com o Eminente Prof.º e Ministro do STF Luis Roberto Barroso, pode-se entender a hermenêutica jurídica como uma ciência, “um domínio teórico, especulativo, voltado para a identificação, desenvolvimento e sistematização dos princípios de interpretação do direito”; já a interpretação “é a atividade de revelar ou atribuir sentido a textos ou outros elementos normativos (ex. princípios, costumes, precedentes) com o fim de solucionar problemas”.

A atividade de interpretação das normas sempre se constituiu em um grande desafio à teoria jurídica. Em Kelsen, a interpretação se subsumia a um ato de vontade do julgador. Neste prumo, dentro dos limites da Lei em questão (lei-moldura, portanto), cabia ao legislador atuar e ao Judiciário, a seu turno, verificar se (e não “como”) o legislador agiu dentro dos parâmetros fixados. Dividia o afamado doutrinador a atividade interpretativa em duas espécies: aquela que é realizada pelo órgão que o aplica (interpretação autêntica) e a que é realizada por pessoa privada, e, especialmente, pela ciência jurídica (interpretação não autêntica), buscando-se sempre a melhor solução interpretativa para o caso concreto.

A aplicação do diálogo das fontes, igualmente, situa-se no campo hermenêutico, e pressupõe, considerando as normas do direito brasileiro, ausência de mecanismos específicos para solução adequada de um processo, o que não ocorre na taxa de ocupação.

Não há omissão legal na temática para permitir ao judiciário decidir por meio de analogia, aplicação de costumes (que era o argumento principal utilizado pelos juízes, ao citar a praxe do mercado como razões de decidir) ou mesmo aplicação de princípios gerais de direito, pela redução do percentual legalmente estabelecido.

A redação contida no artigo 37-A, da lei n.º 9.514/97, foi dada por meio de alteração legislativa ocorrida em 2017, sendo, portanto, posterior à norma geral prevista no artigo 402, do Código Civil. É igualmente posterior ao Código de Defesa do Consumidor (editado em 1990), de maneira que o critério a ser adotado no julgamento deve ser o da especialidade (aplicação da legislação específica). Explica-se.

Como uma bússola para a interpretação de leis e do Direito como um todo, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), introduziu a técnica exegética (de interpretação) da especialidade, em seu artigo 2º, caput, e também em seu §1º, ao dizer expressamente que a lei terá vigência (e aplicabilidade, portanto) até que outra a revogue ou regule completamente a matéria (especialidade), que é o que acontece na temática taxa de ocupação nos contratos garantidos por alienação fiduciária.

Especificamente na questão da propriedade fiduciária, o próprio Código Civil, em seu artigo 1.368-A, prevê que “as demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária se submetem à disciplina específica das respectivas leis especiais”, e que as demais disposições do Código só podem ser aplicadas “naquilo que não for incompatível com a legislação especial”.

Neste sentido, considerando que a própria lei de alienação fiduciária (9.514/97) tratou e regulamentou exata e especificamente as consequências jurídicas decorrentes da ocupação indevida do imóvel após a consolidação da propriedade fiduciária, ficam afastadas soluções decorrentes do Código de Defesa do Consumidor ou da regra geral do Código Civil. A especialidade, assim, afasta o diálogo das fontes.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), como dito, adotou exatamente o entendimento acima exposto e esboçado em favor das instituições financeiras, e no julgamento do Recurso Especial n.º 1.999.485-DF, ocorrido em 06/12/2022, devidamente selecionado no repositório de jurisprudência da Corte, dada sua novidade no âmbito do Tribunal, firmou a tese de que nas operações de financiamento imobiliário garantidas por alienação fiduciária, não é possível a flexibilização do percentual da taxa de ocupação de imóvel a critério do magistrado, devendo, assim, ser aplicado o percentual de 1% sobre o valor do imóvel, conforme previsão legal.

É mais uma vitória ao setor, e um alento à economia, pois auxilia diretamente na retomada do nível de confiança do mercado interno, na segurança jurídica, e, também, juntamente com outros mecanismos a serem adotados, na diminuição da inadimplência e do risco Brasil perante investidores internacionais.

 

FONTES

Informativos de jurisprudência do STJ

https://www.secovi.com.br/pesquisas-e-indices/pesquisa-mensal-do-mercado-imobiliario

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção de um novo modelo. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2022, pp. 163-164

https://www.secovi.com.br/pesquisas-e-indices/pesquisa-mensal-do-mercado-imobiliario

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção de um novo modelo. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2022, pp. 163-164

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