A Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307) impossibilita litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, impede conflitos relativos ao patrimônio e amplia a possibilidade de acordos ou transações para que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública.
Um projeto de lei (PL) está em trâmite na Câmara dos Deputados e pretende alterar a Lei de Arbitragem para limitar a atuação dos juízes e determinar que os procedimentos e sentenças tornem-se públicos.
A arbitragem é um meio de resolução de conflitos do Judiciário e possui entre sua principal característica o sigilo dos processos. A aprovação da Lei 9.307 mexe com toda essa estrutura.
A Lei nº 9.307 existe há mais de 25 anos e tem como raiz a lei modelo da United Nations Commission On International Trade Law (Uncitral) — em português, Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional — órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) que estuda regras para o desenvolvimento do direito comercial mercantil. A lei é aplicada por empresas em discussões contratuais na área societária e funciona da seguinte forma: os árbitros são escolhidos pelas partes que decidem a disputas, geralmente são advogados ou profissionais especializados na área; o Judiciário não intervém na decisão de dizer se a parte tem ou não razão na escolha ou no pedido de defesa e apenas verifica e questiona as partes se o arbítrio ocorreu em conformidade com a lei.
As motivações para empresas do setor privado exigirem em seus contratos a inclusão da arbitragem estão relacionadas ao método de solução de conflitos. Além de não se submeter à morosidade e, muitas vezes, excesso de formalismo da Justiça comum, revela-se menos gravoso e dispendioso para empresas do setor privado que prezam pela confidencialidade de algumas situações que envolvam controversas com outras empresas e podem, eventualmente, ser prejudiciais à imagem da empresa.
Entre as mudanças na lei estão: a divulgação de sentença e a atuação de árbitros; o limite na quantidade de processos que um profissional possa atuar — no máximo dez; impedimento da mesma formação de um tribunal; e obrigação dos árbitros a revelarem quais arbitragens fazem parte. Essa publicização das decisões e a limitação da atuação impactam no poder legal dos árbitros de emitir decisões e ter como base melhores resoluções para ambas as partes. Além de descaracterizar a confidencialidade, principal qualidade da arbitragem na resolução do conflito.
Abaixo estão os prós e contras das alterações na Lei da Arbitragem.
Publicidade das decisões:
Prós
– Possibilidade de formação de jurisprudências com a ampla divulgação de casos e decisões que podem auxiliar, inclusive, na tomada de decisão acerca da adoção da arbitragem para determinadas relações.
– Sabendo-se o entendimento da maioria dos árbitros, pode-se estabelecer se aquela relação, caso evolua à alguma situação conflituosa, é interessante ou não a submissão ao Tribunal Arbitral.
Contras
– A publicidade das decisões fere um princípio da Arbitragem, um de seus pilares mais valiosos e um dos principais motivos pelos quais grandes empresas optam pela adoção deste tipo de resolução de conflitos, que é a confidencialidade.
– Existindo ampla divulgação, tanto dos casos em si, quanto de suas resoluções, certamente revelará um desestímulo para que haja convenção pela arbitragem.
O árbitro não poderá atuar simultaneamente em mais de dez arbitragens:
Prós
– Com a limitação pretendida haveria uma melhora do tempo de tramitação até se chegar na decisão do árbitro, com melhora da imparcialidade e independência e diminuição dos casos de anulação por meio de ações judiciais.
Contras
– Além da possível inconstitucionalidade da limitação da atuação, diante do cerceamento da livre iniciativa, a limitação desequipara o árbitro ao juiz de direito, o que macula todo o procedimento.
Importante ressaltar que, para os precursores da alteração, os prós superam os contras, em prol de uma coletividade de usuários da arbitragem. No entanto, do ponto de vista dos defensores do setor privado, os pontos negativos são insuperáveis.
Outro resultado com a possível aprovação da PL 9.307 está na redução do número de casos. Devido a migração de ocorrências de arbitragens brasileiras para outros países, há uma desvinculação do Brasil como possível sede referência de arbitragens internacionais.
A PL 3.293/2021 é de autoria da deputada Margarete Coelho (PP-PI) e foi apresentado no ano passado. Segundo ela, a ideia é aumentar a segurança jurídica e coesão das decisões. “Ajudará a criar uma verdadeira jurisprudência, tão cara ao sistema jurídico, mas inexistente na arbitragem”, diz.
A edição 2019 da pesquisa Arbitragem em Números e Valores mostra que cerca de R$ 60 bilhões em quase mil processos estavam em andamento nas oito principais Câmaras de Comércio em funcionamento no Brasil. Embora houvesse diminuição em 25,21% quando comparado ao ano 2018, quando foram R$ 81,44 bilhões, os valores continuam elevados e demonstram que as controvérsias levadas à arbitragem se referem a contratos de “grande vulgo”, aqueles com valor estimado igual ou superior a R$ 200 milhões. Para outros países, a arbitragem não se revela mais como um meio alternativo de resolução de conflitos, mas sim o meio mais adequado diante da sua ampla adesão e alta referencial. No Brasil já existem limitações quanto ao objeto e trazer mais limitações e mais impasses, acabaria por desestruturar a arbitragem.
Diversos países já usam a Lei de Arbitragem como principal método de resolução de conflitos, não havendo limitações. O fundamento na legislação restrita questões de direito patrimonial de caráter privado, tornando-se incabível que líderes, entre estado e cidadãos ou entre estado e empresas, sejam implicados e resolvidos dessa forma.
Os casos relacionados à Lei 9.307 em julgamento não serão afetados, ou seja, entra em vigor na data de sua publicação e não se aplicará às arbitragens em curso, estejam elas em julgamento ou já pactuadas.
O Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá divulgou que pedidos de impugnação de árbitro somam menos de 1% de todos os casos em andamento. Em 2021, apenas três dos 427 procedimentos em tramitação pediam impugnação dos árbitros. Em todos os casos, os árbitros foram mantidos. Nesses casos, verificam se os fatos que não foram revelados influenciam no julgamento. Doutrina e jurisprudência internacional são os critérios seguidos pelo Brasil.
As alterações pretendidas na Lei de Arbitragem no Brasil podem causar um movimento preocupante no setor privado de retorno ao uso da Justiça comum para soluções de conflitos que poderiam ter sua resolutividade muito mais eficaz e rápida. Os assuntos estritamente privados discutidos atualmente nos tribunais arbitrais sofrem risco de se tornarem cada vez mais escassos, diante da ameaça causada pela ausência de confidencialidade. É certo que não se põe em xeque às boas intenções dos legisladores, no entanto, deve-se questionar se os objetivos serão de fato alcançados com as mudanças, sendo clara a linha tênue entre o aprimoramento da lei e seu completo desuso.