A pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2 e suas mutações, além de ocasionar elevadíssimo número de óbitos em todo território nacional, acabou por afetar diretamente a economia familiar, fato esse que se revela extremamente preocupante, uma vez que órgãos do Governo Federal apontam que atualmente mais de 70% das famílias brasileiras estão endividadas.
Visando evitar a falência financeira de várias famílias, em meados do ano pretérito entrou em vigor a Lei nº 14.181/21, mais conhecida como “Lei do Superendividamento”, a qual acabou alterando dispositivos do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), permitindo a adoção de uma espécie de “recuperação judicial” para consumidores (pessoa física) detentores de dívidas que tenham o condão de afetar sua própria subsistência, devendo o consumidor comprovar a alegação de estar superendividado, ou seja, comprovar a impossibilidade manifesta de pagar a totalidade de suas dívidas sem comprometer seu mínimo existencial.
A inovação legislativa apresenta como um grande diferencial a simplicidade dos atos processuais e possibilidade da confecção de um “plano de recuperação”, além da possibilidade da reunião de credores e concessão de prazo para pagamento em até 05 (cinco) anos, para dívidas vencidas e vincendas.
Conforme a redação no artigo 54-A do Código Consumerista quaisquer compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo, inclusive operações de crédito, a contas domésticas, compras a prazo e serviços de prestação continuada podem serem incluídas no “plano de recuperação”.
Por sua vez, o parágrafo terceiro do referido artigo traz expressamente algumas ressalvas, estabelecendo que não podem ser incluídas as dívidas contraídas mediante fraude ou má-fé, sejam oriundas de contratos celebrados dolosamente com o propósito de não realizar o pagamento ou decorram da aquisição ou contratação de produtos e serviços de luxo de alto valor, contratos de crédito com garantia real, de financiamentos imobiliários e de crédito rural.
Quanto ao trâmite processual pode-se extrair da redação da “Lei do Superendividamento” que não se faz necessário o consumidor ingressar com processo judicial, suportando custas e honorários advocatícios, podendo acionar diretamente os órgãos que compõem o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), do qual fazem parte os Procons, Ministério Público, Defensoria Pública e entidades civis de defesa do consumidor.
Contudo, restando frustradas as tentativas de conciliação perante os referidos órgãos, restará somente ao consumidor acionar o Poder Judiciário visando a instauração de um processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório, podendo ainda o juiz nomear um administrador judicial para apresentar um plano de pagamento que contemple medidas de temporização ou de atenuação dos encargos.
A necessidade de apresentação de plano detalhado de recuperação, documentos contábeis (provas da situação de superendividamento e verificação do plano de recuperação), a pluralidade de credores e a possibilidade de nomeação de um administrador demonstram que o procedimento previsto na Lei nº 14.181/21 não se amolda ao rito sumaríssimo, afastando a possibilidade de tal procedimento ser adotado no âmbito dos Juizados Especiais, o qual é regido pelos princípios da informalidade, celeridade, oralidade e simplicidade (menor complexidade).
Por fim, restando aprovado o plano apresentado, o consumidor terá, no máximo, 05 (cinco) anos para realizar a quitação de todos os credores, sendo que a primeira parcela será devida no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contado de sua homologação judicial, e o restante do saldo será devido em parcelas mensais iguais e sucessivas, podendo o consumidor ingressar com novo procedimento somente após decorrido o prazo de 02 (dois) anos da liquidação de todas as obrigações previstas no plano de pagamento homologado.
SOBRE O AUTOR:
Dr. Eduardo Guimarães Mercadante é advogado, Coordenador Jurídico do NWADV filial Campo Grande/MS.